(Autoria do texto: prof: Francisco vale)
DONA JOSEFA – TRIBUTO DO AMIGO ESCRITOR
"Antecipadamente meus profundos e sinceros sentimentos a Dona Alice, Seu Antonio, André, Adriano e a todos os familiares por tão irreparável perca nesta quinta-feira.
A história testemunhou a dignidade de uma vida sofrida, de uma existência totalmente dedicada à família e a criação da localidade – está aí um legado da qual se pode aplaudir de pé.
Quisera Deus que na tarde de 30 de julho de 2020, as portas da eternidade se abrisse para alguém que fez história nesta localidade, porque ser importante, não é ter a oportunidade de discursar nos parlamentos oficiais ou de improviso, não é ter a oportunidade de protagonizar manchetes, mas é ter a capacidade de fazer aquilo que outros não foram capazes de fazer.
Em 1961, André Viana da Silva e Josefa Ferreira Alves e suas filhas procuraram por melhores condições da vida partindo de Itabuna na Bahia, a bordo de um veículo pau de arara trafegando quinze dias em estrada carroçal até chegar ao povoado de Trecho Seco onde fixaram residência. Porém, as condições de vida exigiam muitos sacrifícios, dentre os quais: comprar água para beber e caminhar até Açailândia para poder lavar roupas, pois carros na BR 010, só de três em três dias.
Somente em 1969, André Viana da Silva e família, montados a rudes animais, abrindo trilhas chegaram até o local onde estaria Claudino Borges Leal (Colodino). O casal procurou adquirir um pedaço de terra das mãos do Sr. Juvenor (morador do Pequiá dos Baianos que vendia as terras como se fossem suas), tal pedaço de terra viria a abrigar Colodino, nosso fundador que já havia se desfeito das suas posses, onde posteriormente, desiludido, retornou à sua terra natal.
André Viana adquiriu as terras que vão do cemitério até a propriedade da Sra. Isabel, esposa do Sra. Manoel Verício, onde o mesmo abriu de maneira braçal uma estrada que ligaria a uma outra de Serra do Cravim, por onde escoaria a safra, saindo na Fazenda Santa Maria até chegar em Imperatriz.
No dia 20 de junho de 1973, morreu André Viana vítima de derrame. Ainda foi levado para Imperatriz, mas pediu que o trouxessem de volta a Brejão, pois afirmara que gostaria de morrer em casa.
Dona Josefa sentira se abalada, no entanto reagiu com muita força a ausência do companheiro, pois naquele momento, quase solitária na luta, a mulher desbravadora encontrou nas filhas a força para continuar lutando. Algumas vezes, sozinha, precisava ir a pé até o povoado 1.700 para vender alguns legumes e comprar mantimentos para a sua subsistência. A partir de então, precisou desfazer-se de partes das suas terras para poder criar as suas quatro filhas, portanto merece receber da comunidade a admiração e respeito daqueles que o sucederam.
Morou até este triste dia de hoje numa casa simples, mas edificada sobre a primeira área da terra adquirida às margens do brejo ao lado do cemitério. Foi a maior testemunha das vidas que ali foram enterradas, entre elas, a sua neta Maria Viana da Silva, que morrera de malária em 19 de maio de 1972, sendo a primeira pessoa a ser enterrada no cemitério.
Viveu dignamente em suas poucas posses, na última década, fragilizada pela ação do tempo, mas foi testemunha única e real da trajetória da cidade que viu nascer e ajudou a construir quando decidiu aqui se instalar.
Há 18 anos, era o ano de 2002 quando estive em sua casa e relato o seguinte: sentada sob um tijolo, no centro da simples cozinha, ofereceu-me um café e começamos a conversar, ela costurava alguns panos a velha agulha de mão. Seus cabelos estavam tingidos pela experiência e sofrimento da sua vida. Perguntei porque ela não era rica, se quando chegaram tiveram oportunidades de adquirir grandes faixas de terras e ela mim respondeu: - Quem um dia pensou que ia pra frente, Francisco? Ainda citei alguns questionamentos pesquisados e ela mim interrompeu: - Tudo mentira, quem sabe sou eu, fui a primeira a chegar! Conversamos muito antes de sair e ainda pergunto se ela sabia a data de nascimento. Ela tossiu um pouco e disse: - Tá nos papé! E sorrindo: Tô velha!
Voltei em sua casa para conversarmos em 19 de janeiro de 2007, encontrei-a mais firme ainda, agora ela mim diz: - Fiz noventa anos em quatro de novembro do ano passado! Pergunto se ninguém deu a ela a homenagem que merecia, neste momento, percebi a luz dos seus olhos como que anunciado a chegada das lágrimas, porém, interrompi, creio que o seu sofrimento ao longo de toda a vida não permitia mais sofrimentos, mesmo que sejam provocados emocionalmente.
103 anos e uma vida irrepreensível, espero sim que ruas e demais logradouros possam receber seu nome. É o mínimo que se pode esperar de quem aqui chegou há 51 anos abrindo estrada a facão para que um dia nós pudéssemos bater no peito e orgulhosamente dizer: tenho a minha terra – São Francisco do Brejão.
Segue em paz Dona Josefa, na serenidade de quem pode até ter passado despercebido pelos insensatos, mas recebida na glória com grande festa.
(Francisco Vale – adaptação 2020 de fragmentos do livro Lá entre os brejos/2011).
DONA JOSEFA – TRIBUTO DO AMIGO ESCRITOR
Antecipadamente meus profundos e sinceros sentimentos a Dona Alice, Seu Antonio, André, Adriano e a todos os familiares por tão irreparável perca nesta quinta-feira.
A história testemunhou a dignidade de uma vida sofrida, de uma existência totalmente dedicada à família e a criação da localidade – está aí um legado da qual se pode aplaudir de pé.
Quisera Deus que na tarde de 30 de julho de 2020, as portas da eternidade se abrisse para alguém que fez história nesta localidade, porque ser importante, não é ter a oportunidade de discursar nos parlamentos oficiais ou de improviso, não é ter a oportunidade de protagonizar manchetes, mas é ter a capacidade de fazer aquilo que outros não foram capazes de fazer.
Em 1961, André Viana da Silva e Josefa Ferreira Alves e suas filhas procuraram por melhores condições da vida partindo de Itabuna na Bahia, a bordo de um veículo pau de arara trafegando quinze dias em estrada carroçal até chegar ao povoado de Trecho Seco onde fixaram residência. Porém, as condições de vida exigiam muitos sacrifícios, dentre os quais: comprar água para beber e caminhar até Açailândia para poder lavar roupas, pois carros na BR 010, só de três em três dias.
Somente em 1969, André Viana da Silva e família, montados a rudes animais, abrindo trilhas chegaram até o local onde estaria Claudino Borges Leal (Colodino). O casal procurou adquirir um pedaço de terra das mãos do Sr. Juvenor (morador do Pequiá dos Baianos que vendia as terras como se fossem suas), tal pedaço de terra viria a abrigar Colodino, nosso fundador que já havia se desfeito das suas posses, onde posteriormente, desiludido, retornou à sua terra natal.
André Viana adquiriu as terras que vão do cemitério até a propriedade da Sra. Isabel, esposa do Sra. Manoel Verício, onde o mesmo abriu de maneira braçal uma estrada que ligaria a uma outra de Serra do Cravim, por onde escoaria a safra, saindo na Fazenda Santa Maria até chegar em Imperatriz.
No dia 20 de junho de 1973, morreu André Viana vítima de derrame. Ainda foi levado para Imperatriz, mas pediu que o trouxessem de volta a Brejão, pois afirmara que gostaria de morrer em casa.
Dona Josefa sentira se abalada, no entanto reagiu com muita força a ausência do companheiro, pois naquele momento, quase solitária na luta, a mulher desbravadora encontrou nas filhas a força para continuar lutando. Algumas vezes, sozinha, precisava ir a pé até o povoado 1.700 para vender alguns legumes e comprar mantimentos para a sua subsistência. A partir de então, precisou desfazer-se de partes das suas terras para poder criar as suas quatro filhas, portanto merece receber da comunidade a admiração e respeito daqueles que o sucederam.
Morou até este triste dia de hoje numa casa simples, mas edificada sobre a primeira área da terra adquirida às margens do brejo ao lado do cemitério. Foi a maior testemunha das vidas que ali foram enterradas, entre elas, a sua neta Maria Viana da Silva, que morrera de malária em 19 de maio de 1972, sendo a primeira pessoa a ser enterrada no cemitério.
Viveu dignamente em suas poucas posses, na última década, fragilizada pela ação do tempo, mas foi testemunha única e real da trajetória da cidade que viu nascer e ajudou a construir quando decidiu aqui se instalar.
Há 18 anos, era o ano de 2002 quando estive em sua casa e relato o seguinte: sentada sob um tijolo, no centro da simples cozinha, ofereceu-me um café e começamos a conversar, ela costurava alguns panos a velha agulha de mão. Seus cabelos estavam tingidos pela experiência e sofrimento da sua vida. Perguntei porque ela não era rica, se quando chegaram tiveram oportunidades de adquirir grandes faixas de terras e ela mim respondeu: - Quem um dia pensou que ia pra frente, Francisco? Ainda citei alguns questionamentos pesquisados e ela mim interrompeu: - Tudo mentira, quem sabe sou eu, fui a primeira a chegar! Conversamos muito antes de sair e ainda pergunto se ela sabia a data de nascimento. Ela tossiu um pouco e disse: - Tá nos papé! E sorrindo: Tô velha!
Voltei em sua casa para conversarmos em 19 de janeiro de 2007, encontrei-a mais firme ainda, agora ela mim diz: - Fiz noventa anos em quatro de novembro do ano passado! Pergunto se ninguém deu a ela a homenagem que merecia, neste momento, percebi a luz dos seus olhos como que anunciado a chegada das lágrimas, porém, interrompi, creio que o seu sofrimento ao longo de toda a vida não permitia mais sofrimentos, mesmo que sejam provocados emocionalmente.
103 anos e uma vida irrepreensível, espero sim que ruas e demais logradouros possam receber seu nome. É o mínimo que se pode esperar de quem aqui chegou há 51 anos abrindo estrada a facão para que um dia nós pudéssemos bater no peito e orgulhosamente dizer: tenho a minha terra – São Francisco do Brejão.
Segue em paz Dona Josefa, na serenidade de quem pode até ter passado despercebido pelos insensatos, mas recebida na glória com grande festa. "
(Francisco Vale – adaptação 2020 de fragmentos do livro Lá entre os brejos/2011).